segunda-feira, 23 de novembro de 2009

2. A Origem do Poder do Estado



O segundo conceito que separa o coletivismo do individualismo tem que ver com a origem do poder do estado. Os individualistas acreditam que um governo justo deriva seu poder, não da conquista e subjugação de seus cidadãos, mas do livre consentimento dos governados. Isso significa que o estado não pode ter poderes legítimos a não ser que eles sejam dados a ele por seus cidadãos. Dito de outra forma, os governos somente podem fazer coisas que seus cidadãos também têm o direito de fazer. Se os indivíduos não têm o direito de realizar um determinado ato, então não podem conceder esse direito aos seus representantes eleitos. Eles não podem delegar aquilo que não têm.



Vamos usar um exemplo extremo. Vamos assumir que um navio afundou em uma tempestade e três homens exaustos estão lutando para sobreviver no mar. Subitamente, eles alcançam um bote salva-vidas. O bote foi projetado para manter uma única pessoa flutuando; mas com cuidadosa cooperação entre elas, consegue manter duas pessoas flutuando. Entretanto, se uma terceira pessoa se agarrar ao bote salva-vidas, ele se torna inútil, e todas as três ficarão novamente à mercê do mar. Os homens tentam se alternar: um bóia na água enquanto os outros dois se agarram ao bote salva-vidas; mas após algumas horas, nenhum deles tem mais forças para continuar. A triste verdade gradualmente se torna clara: a não ser que um deles seja separado do grupo, todos os três morrerão afogados. O que devem, então, esses três homens fazer?




A maioria das pessoas hoje diria que dois homens estariam justificados em forçar o terceiro a se afastar. O direito da auto-sobrevivência é de fundamental importância. Tirar a vida de outra pessoa, embora seja um ato terrível, é moralmente justificável se for necessário para salvar a própria vida. Essa certeza é verdadeira para a ação individual, mas e a ação coletiva? Onde dois homens recebem o direito de se unir e atacar o terceiro homem?





O coletivista responde que os dois homens têm um direito maior à vida porque são numericamente superiores ao terceiro homem, que está só. É uma questão de matemática: o maior bem para o maior número de pessoas. Isso torna o grupo mais importante que o indivíduo e justifica que dois homens forcem o terceiro a se afastar do bote salva-vidas. Há certa lógica nesse argumento, mas, se simplificarmos ainda mais o exemplo, veremos que, embora a ação seja correta, ela é justificada pelo raciocínio errado.





Vamos assumir agora que existam somente dois sobreviventes — de modo que eliminamos o conceito de grupo — e vamos também assumir que o bote suporte somente uma pessoa, não duas. Sob essas condições, seria similar a enfrentar um inimigo em uma batalha. Você precisa matar ou morrer. Somente um poderá sobreviver. Estamos lidando agora com o direito de competição pela auto-sobrevivência para cada indivíduo, e não há um grupo mitológico para confundir a questão. Sob essa condição extrema, é claro que cada pessoa teria o direito de fazer qualquer coisa que possa para preservar sua própria vida, mesmo se isso levar à morte de outra pessoa. Alguns podem argumentar que seria melhor sacrificar a própria vida em favor de um estranho, mas poucos argumentariam que não fazer isso seria errado. Assim, quando as condições são simplificadas para sua essência mais crua, vemos que o direito de negar vida aos outros vem do direito do indivíduo de proteger sua própria vida. Ele não precisa do assim-chamado grupo para ordená-lo.





No caso original dos três sobreviventes, a justificativa para negar a vida a um deles não vem do voto da maioria, mas de seus direitos individuais e separados de garantir sua própria sobrevivência. Em outras palavras, qualquer um deles, agindo sozinho, estaria justificado nessa ação. Eles não são capacitados pelo grupo. Quando contratamos a polícia para proteger nossa comunidade, estamos simplesmente pedindo-lhe para fazer aquilo que nós mesmos temos o direito de fazer. Usar a força física para proteger nossas vidas, nossa liberdade e nossa propriedade é uma função legítima do governo, porque esse poder é derivado do povo como indivíduos. Ele não surge a partir do grupo. [3].







Aqui está mais um exemplo — menos extremo, mas muito mais típico do que realmente acontece todos os dias nos corpos legislativos. Se altos funcionários do governo decidem um dia que ninguém deve trabalhar aos domingos, e até assumindo que a comunidade geralmente suporte a decisão deles, onde eles teriam a autoridade de usar o poder de polícia do Estado para impor esse decreto? Os cidadãos individuais não têm o direito de compelir seus vizinhos a não trabalhar, de modo que não podem delegar esse direito aos seus governos. Onde, então, teria o Estado obtido a autoridade? A resposta é que ela viria de si mesmo; seria autogerada. Seria similar ao direito divino das antigas monarquias, em que assumia-se que os governos representavam o poder e a vontade de Deus — conforme interpretado pelos líderes terreais, é claro. Em tempos mais modernos, a maioria dos governos não pretende ter Deus como sua autoridade, eles apenas confiam nas tropas de elite e nos exércitos, e qualquer um que crie objeções é eliminado. Como disse aquele bem-conhecido coletivista, Mao Tse-Tung, "O poder político cresce a partir do cano de um pistola.".









Quando os governos afirmam derivar sua autoridade de qualquer força que não os governados, isso sempre leva à destruição da liberdade. Impedir que as pessoas trabalhassem aos domingos não seria visto como uma grande ameaça à liberdade, mas uma vez que o princípio é estabelecido, ele abre a porta para mais éditos, e mais, e mais, até que a liberdade se acabe. Se aceitarmos que o Estado ou qualquer grupo tenha o direito de fazer coisas que os indivíduos sozinhos não têm o direito de fazer, então, talvez de forma não intencional, estejamos apoiamos o conceito que os direitos não são intrínsecos ao indivíduo e que eles, na verdade, originam-se com o Estado. Uma vez que aceitássemos isso, estaríamos na estrada para a tirania.
Os coletivistas não estão preocupados com essas questiúnculas. Eles acreditam que os governos têm realmente poderes que são maiores do que o dos cidadãos, e a fonte desses poderes, eles dizem, está, não nos indivíduos dentro da sociedade, mas na própria sociedade, o grupo ao qual os indivíduos pertencem.

terça-feira, 3 de novembro de 2009


O Abismo: Duas Éticas Que Dividem o Mundo Ocidental
Existem muitas palavras comumente usadas hoje em dia para descrever as atitudes políticas. Ouvimos dizer que existem conservadores, liberais, libertários, direitistas, esquerdistas, progressistas, socialistas, comunistas, trotskistas, maoístas, fascistas, nazistas e, como se isso tudo não fosse confuso o bastante, agora temos os neoconservadores, os neonazistas, e os neo-qualquer coisa mais. Quando nos perguntam qual é nossa orientação política, esperam que escolhamos a partir de uma dessas palavras. Se não tivermos uma opinião política ou se estivermos receosos de fazer uma má escolha, então, por segurança, dizemos que somos moderados — acrescentando mais uma palavra à lista. Porém, nem uma pessoa em cada mil pode definir claramente a ideologia que qualquer uma dessas palavras representa. Elas são usadas, primeiro, como rótulos para colocar uma aura de bondade ou de malignidade, dependendo de quem usa as palavras e quais emoções elas acionam em suas mentes.
Por exemplo, qual é a definição realista de conservador? Uma resposta comum seria que um conservador é uma pessoa que quer conservar o status quo e se opõe à mudança. Mas, a maioria das pessoas que chamam a si mesmas de conservadoras não está a favor de manter o atual sistema de tributação elevada, os gastos maiores do que as receitas, a expansão das políticas de bem-estar social, a leniência com relação aos criminosos, a ajuda externa, o crescimento do governo, e qualquer uma das outras marcas características da ordem atual. Esses são os bastiões muito bem guardados daquilo que chamamos de liberalismo. Os liberais de ontem são os conservadores de hoje, e as pessoas que chamam a si mesmas de conservadoras são realmente radicais, por que querem uma mudança radical do status quo. Não é maravilha que a maioria dos debates políticos soe como se tivesse sido originado na torre de Babel. Todos estão falando uma linguagem diferente. As palavras podem soar familiares, mas os oradores e os ouvintes têm cada um suas próprias definições particulares.
Na minha experiência já observei que, uma vez que as definições são comumente compreendidas, a maioria das discórdias chega ao fim. Para a admiração daqueles que pensam que eram oponentes ideológicos amargos, eles freqüentemente descobrem que, na verdade, estão em concordância básica. Assim, para tratar com essa palavra, coletivismo, nossa primeira ordem do dia é lançar fora o lixo. Para compreendermos as agendas políticas que dominam nosso mundo atualmente, não podemos permitir que nosso pensamento seja contaminado pela carga emocional do antigo vocabulário.
Pode surpreender você saber que a maioria dos grandes debates do nosso tempo — pelo menos no mundo ocidental — pode ser dividida em apenas dois pontos de vista. Todo o resto é enchimento. Tipicamente, eles enfocam se uma determinada ação deve ser seguida; mas o conflito real não é sobre os méritos da ação; é sobre os princípios, o código ético que justifica ou proíbe essa ação. É uma competição entre a ética do coletivismo de um lado, e o individualismo do outro. Essas são palavras que têm significado, e descrevem um abismo filosófico que divide todo o mundo ocidental! [2].
A única coisa que é comum tanto aos coletivistas quanto aos individualistas é que a vasta maioria deles é bem intencionada. Eles querem a melhor vida possível para suas famílias, para seus compatriotas, e para a humanidade. Eles querem prosperidade e justiça para todos. Eles discordam na forma de produzir esses ideais.
Estudei a literatura coletivista por mais de quarenta anos e, após certo tempo, percebi que existiam certos temas recorrentes, que considero os seis pilares do coletivismo. Se eles forem virados de cabeça para baixo, são também os seis pilares do individualismo. Em outras palavras, existem seis conceitos principais dos relacionamentos políticos e sociais; e, dentro de cada um deles, os coletivistas e os individualistas têm pontos de vista opostos.
1. A Natureza dos Direitos Humanos
O primeiro desses tem que ver com a natureza dos direitos humanos. Os coletivistas e os individualistas concordam que os direitos humanos são importantes, mas diferem sobre o quão importantes e especialmente sobre o que é presumido como sendo a origem desses direitos. Existem somente duas possibilidades nesse debate. Ou os direitos do homem são intrínsecos ao seu ser, ou são extrínsecos, o que significa que ou ele os possui no nascimento ou eles lhe são dados depois. Em outras palavras, eles são hardware, ou software. Os individualistas acreditam que eles são hardware; os coletivistas acreditam que eles são software.
Se os direitos são dados ao indivíduo após o nascimento, então quem tem o poder de fazer isso? Os coletivistas acreditam que essa é uma função do governo. Os individualistas ficam nervosos com essa concepção, porque, se o Estado tem o poder de conceder direitos, também tem o poder de retirá-los, e esse conceito é incompatível com a liberdade individual.
A visão do individualismo foi expressa claramente na Declaração de Independência dos EUA, que diz:
"Consideramos essas verdades auto-evidentes, que todos os homens foram criados iguais, que receberam do Criador certos direitos inalienáveis, que entre esses direitos estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que para assegurar esses direitos, os governos são instituídos entre os homens..."
Nada poderia ser mais claro do que isso. "Direitos inalienáveis" significa que eles são a posse natural de cada um de nós ao nascer e não são concedidos pelo Estado. O propósito do governo não é conceder direitos, mas garanti-los e protegê-los.
Em contraste, todos os sistemas políticos coletivistas adotam a visão oposta que os direitos são concedidos pelo Estado. Isso inclui os nazistas, fascistas, e comunistas. É também um dogma das Nações Unidas. O artigo Quarto da Convenção da ONU Sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais diz:
"Os Estados participantes da presente Convenção reconhecem que, no gozo desses direitos oferecidos pelo Estado... o Estado poderá sujeitar esses direitos somente às limitações conforme forem determinadas por lei."
Repito: se aceitarmos que o Estado tem o poder de outorgar direitos, então precisamos também concordar que ele tem o poder de retirar esses direitos. Observe o fraseado da Convenção da ONU. Após proclamar que os direitos são oferecidos pelo Estado, ela então diz que esses direitos podem estar sujeitos a limitações "conforme forem determinadas pela lei". Em outras palavras, os coletivistas na ONU se atrevem a nos conceder nossos direitos e, quando estiverem prontos para retirá-los, tudo o têm a fazer é aprovar uma lei autorizando a supressão desses direitos.
Compare isso com a Carta de Direitos na Constituição dos Estados Unidos. Ela diz que o Congresso não passará leis que restrinjam os direitos da liberdade de expressão, de religião, de assembléia pacífica, o direito de portar armas, e assim por diante — sem exceções "conforme determinadas por lei". A Constituição incorpora a ética do individualismo. A ONU incorpora a ética do coletivismo, e que diferença isso faz!
CONTINUA...